O Processo Seletivo Especial (PSE) da Universidade Federal do Pará é destinado a promover o ingresso de estudantes quilombolas e indígenas na universidade. Suas principais etapas avaliativas são a redação e a entrevista. Os estudantes que obtiverem as maiores notas nessas duas etapas se classificam para as quatro vagas disponibilizadas em diversos cursos de graduação, sendo duas para quilombolas e duas para indígenas. Segundo informação publicada no site da UFPA, 651 candidatos (as) participaram do PSE para ingresso neste ano de 2022. Ao todo, foram ofertadas 788 vagas em 197 cursos de graduação sediados em onze campi da UFPA, para as quais foram classificados (as) 91 indígenas e 560 quilombolas.

Perfil dos (as) candidatos (as)

As vagas do PSE ofertadas contemplam apenas candidatos (as) que ainda não tenham sido admitidos (as) em curso superior e que se encontrem em condições de vulnerabilidade socioeconômica. 

Opinião

O estudante quilombola do alto Itacuruçá, município de Abatetuba, um dos Coordenadores da ADQ e mestrando em Antropologia, Alaci de Souza Maciel, fala da importância do PSE Quilombola e Indígena:

“É de suma importância, pois por muitos anos tivemos nossos direitos negados, e hoje em dia, por conta de muitas lutas enfrentadas pelos nossos ancestrais, resultados de tantas batalhas enfrentadas a favor de nossos direitos, temos aí um grande exemplo de conquista, que é o nosso Processo Seletivo Especial (PSE). Em 2013 tivemos o primeiro ingresso de quilombolas nesta universidade pública, e desde então vem crescendo cada vez mais o número de pretos e pretas dentro das universidades, ocupando lugares que são nossos por direito, direito esse que nos foi negado por muitos anos. Assim, como forma de resistir para existir, estamos dando continuidade às lutas dos nossos ancestrais, e assim vamos continuando para que cada ano tenhamos mais e mais quilombolas ocupando todos os espaços.”

Heloiá Carneiro, quilombola da comunidade de Bairro Alto, que fica em Salvaterra, na Ilha de Marajó-PA também enfatiza a importância do PSE para a população quilombola do Pará. Atualmente cursando Comunicação Social- Jornalismo, Heloiá destaca:

“O Processo Seletivo Especial é de extrema importância para o povo quilombola e indígena que almeja entrar na universidade, tendo em vista a falta de recursos que nos possibilitem fazer um preparatório que muitas vezes é particular e caro. O que dispomos são ações de auxílio por parte de professores das nossas comunidades, nessa preparação para ingressar na universidade, esse já é um ponto crucial.

As vagas reservadas são muito necessárias. Foi através delas que eu consegui uma vaga na universidade, pois minhas notas não foram suficientes para passar na minha 1ª opção, mas tive a chance de entrar na minha 2ª opção, e isso com certeza mudou a minha vida e mudou a vida de muitos que, assim como eu, foram beneficiados com as vagas reservadas.

Em meio ao caos em que vivemos, em tempos de pandemia, e diante da quase inexistência das políticas públicas afirmativas — pois o número de vagas ofertado para cada curso é mínimo em relação à quantidade de pessoas das comunidades quilombolas e territórios indígenas que buscam fazer o ensino superior — conseguir entrar não é o suficiente. A questão, principalmente em tempos de pandemia, é se manter diante das ameaças constantes do desgoverno, dos cortes de bolsas que nos ajudam a custear nossa vida acadêmica e pessoal na capital, da falta de investimento em bolsas de pesquisas, as quais são um auxílio não só na nossa construção enquanto pesquisadores, mas também uma renda de incentivo.

Enfrentamos problemáticas bem difíceis de lidar, mas isso não nos impede de continuar e inspirar outras pessoas das nossas comunidades a partir do nosso “exemplo”. Nosso povo tem dentro de suas expectativas a esperança de entrar na universidade, e através disso, ter uma condição melhor de vida e, é claro, devolver à comunidade todo o aprendizado obtido, já que nosso objetivo principal é levar conhecimento e inspirar principalmente nossos jovens sobre a importância de buscar conhecimento científico em uma faculdade.

A luta quilombola garante direitos

Queremos, neste momento, guiados pela emoção, lembrar e agradecer aos nossos companheiros e baluartes na luta pela criação de vagas reservadas para quilombolas e indígenas, em especial a Dra. Zélia Amador de Deus (CEDENPA) e José Carlos Galiza (MALUNGU/PA – CONAQ). Eles foram e ainda são protagonistas na luta em defesa dos direitos quilombolas do Estado do Pará, mesmo quando esses direitos são ameaçados e atacados pelo próprio presidente da República e por seus seguidores. Entre as poucas políticas públicas que restam neste país, para promover a inclusão dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, as cotas raciais e a reserva de vagas trazem esperanças para população negra.

Sonhos em multidão

“A existência humana é que permite, portanto, denúncia e anúncio, indignação e amor, conflito e consenso, diálogo ou sua negação com a verticalidade de poder. Grandeza ética se antagonizando com as mazelas antiéticas. É exatamente a partir dessas contradições que nascem os sonhos coletivamente sonhados, que temos as possibilidades de superação das condições de vida a que estamos submetidos como simples objetos para tornar-nos todos e todas seres mais”. (FREIRE, 2001)

Os sonhos coletivamente sonhados trazem esperança de outro mundo possível através da educação. Só esse sonho coletivo pode superar as mazelas seculares que os povos quilombolas vivenciaram no contexto das políticas públicas no Brasil.   É o que diz o coordenador da Malungu, Aurélio Borges, do Quilombo de Macapazinho, estudante de direito que também entrou na UFPA pelo PSE: “O ingresso é oportunidade de mudar vidas nas comunidades e na família dos quilombolas. Conhecimento é possibilidade de dias melhores ao povo quilombola”.

Para Alaci Maciel, o sonho tornado realidade é motivo de felicidade: “Toda essa conquista nos traz a felicidade de saber que nossa luta não está sendo em vão, pois ver todos os anos centenas e centenas de pretos adentrando nas faculdades, isso nos enche de emoção e orgulho, nos fazendo a pensar que vale a pena lutar pelos nossos direitos”.